31.5.09

Domingo


Acordar tarde. Está calor. Despacho-me devagar e vou até ao café. Compro o jornal e obrigo-me a lê-lo de uma ponta à outra, excepto a parte de futebol (também não exageremos). Como uma fatia de tarte de maçã. Adoro tarte de maçã. E aquele café.
Chego a casa quase às 16h e obrigo-me a fazer um almoço em condições. Como. Estico-me no sofá a ver um episódio do House. Tenho preguiça. Obrigo-me a sair de casa.
Nos jardins de Oeiras, a festa da criança. É também por isto que gosto de morar aqui. Jardins. Iniciativas. Tão gira, a festa. E eu sem os miúdos. Peço um livro para eles e a senhora sorri afavelmente e diz-me que tenho que estar com as crianças para ter o livro. "Eles estão aqui na festa?" Não, não estão. Fico triste. Sinto-me uma intrusa, numa festa onde não pertenço, e sigo na direção da praia. Nos jardins do lado, as festas da cidade. Artesanato, farturas, carrosséis. Atravesso a festa devagar. Perto da praia de Sto Amaro, uma multidão de pessoas que regressa da praia, os corpos escuros, o cheiro a protector solar. Já não me apetece a praia, demasiada gente. Atravesso o passeio marítimo na direção da marina recente. Uma neblina sobe do mar, não se vê nada a dois metros, é estranho e frio. Compro mais um jornal, sento-me dentro de um café, na marina, a ler. Que bom. Não faz mal se não posso fumar, está frio na esplanada. Adio a caminhada para casa, devia ter um casaco ou o carro. Longe do mar, o ar está abafado e quente. Gosto tantos destas ruas com buganvílias. Das vivendas antigas. Chego a casa e levanto os estores. Abro as janelas. Deixo o ar entrar. Já disse que adoro a nova disposição da minha sala? Agora vou fazer o jantar.

Gostar da Primavera

Esta Primavera não está a ser como as outras. Não sei muito bem de onde, sairam os espirros, o nariz sempre entupido e a latejar, uma vontade de esfregar os olhos, uma impressão permanente na garganta. Pois parece que também eu sofro de alergias. Sinto-me, assim, presa nesta estação do ano de que sempre gostei tanto, com dores de cabeça e sempre de lenço na mão, incapaz de recuar para o Inverno e sem grande vontade de me enfiar no Verão, que não se adivinha tão fresco como o anterior.

Vai ser um salve-se quem puder até ao Outono.

29.5.09

Férias

Cinco dias de sol e praia, acordar tarde, tomar o pequeno-almoço no hotel, passear por Lagos, ler o jornal e ver as revistas, tomar cafés e fumar cigarros tranquilamente na esplanada, entrar em todas as lojas que me apeteceu, mimos, tempo, calma e calor q.b., muitas fotografias.

E as pessoas com os filhos. E eu sem os meus.

Às vezes confunde-se tudo. É como se tivesse sido uma decisão minha. Não estar com eles. Como se me tivesse, afinal, separado deles. Não do Miguel, mas deles.
Eu, Xana F., 32 anos, decido que só quero ser mãe dos meus filhos duas semanas por mês.
Decisão e não consequência. A culpa. Culpada porque feliz. Sem eles.
Como se tivesse desistido não da relação, mas deles.

Onde começamos e acabamos nós, família? Onde começam e acabam eles?
Onde começo e acabo eu? Quais os meus direitos e os deles?

É tempo de reaprender fronteiras. Reaprender a ser feliz assim. Sem culpas.
É difícil.

22.5.09

Exposição de pintura naïf






em Guimarães.

As coisas bonitas fazem-me feliz





Gostava de ter uma mãos habilidosas, uma qualquer capacidade de produzir beleza e cor. Nessa impossibilidade, maravilho-me com as coisas dos outros. E estes acessórios são arte.
Corazón coraza

Porque te tengo y no
porque te pienso
porque la noche está de ojos abiertos
porque la noche pasa y digo amor
porque has venido a recoger tu imagen
y eres mejor que todas tus imágenes
porque eres linda desde el pie hasta el alma
porque eres buena desde el alma a mí
porque te escondes dulce en el orgullo
pequeña y dulce
corazón coraza

porque eres mía
porque no eres mía
porque te miro y muero
y peor que muero
si no te miro amor
si no te miro

porque tú siempre existes dondequiera
pero existes mejor donde te quiero
porque tu boca es sangre
y tienes frío
tengo que amarte amor
tengo que amarte
aunque esta herida duela como dos
aunque te busque y no te encuentre
y aunque
la noche pase y yo te tenga
y no.

Mario Benedetti

21.5.09

O Porto visto de Gaia




à noite.

Maternidade recorded

Esta questão da professora registada num gravador a gritar heresias lembra-me quando tirámos o João da ama porque descobrimos, também num gravador, que ele não era tratado como nós achávamos.

Agora e então os mesmos pensamentos: não tenho dúvidas de que quem faz vida a tratar de crianças tem que ser capaz de digerir as suas próprias questões pessoais e ter um comportamento correcto, com a devida tolerância.

Mas minha questão não é essa, claro.

A verdade é que não tenho dúvidas de que eu própria não gostaria de me ouvir num gravador. Tenho a certeza que se pudesse rever o meu dia-a-dia num registo áudio ou vídeo, me sentiria muitas vezes embaraçada, arrependida, constrangida com o meu tom, as minhas palavras, os meus actos. Persegue-me esta culpa de fazer tantas vezes os mesmos erros, de não ser capaz de me abstrair das minhas próprias questões, tristezas, medos, cansaços, fúrias, quando estou com eles. De não usar as palavras e o tom correcto.

Os miúdos esquecem, perdoam, talvez não tanto como gostaríamos, eu própria me esforço para tentar todos os dias ser melhor mãe e pessoa. Aceitando as falhas, consolando-me com a ideia dos recomeços, tentando ser tolerante comigo própria.

O que dizer então da possibilidade de um registo ad-eternum dos meus erros, das minhas fraquezas, acessível a qualquer um, os meus filhos a apontarem-me as falhas

Vês mãe, tu também gritas

o horror de me rever, dia após dia, a acordá-los cheia de pressa

Ontem também não me deixaste escolher um brinquedo para levar para a escola, mãe

a fazer coisas que não devo porque é o mais fácil

Neste dia deixaste-me comer chocolate e não era fim-de-semana

a perder a paciência com as chamadas de atenção deles

Mãe, eu aqui só queria que me tranquilizasses e me indicasses o caminho certo

a despachá-los para a cama porque estou tão cansada

Eu só queria que me desses mais um beijinho, mãe

horror, horror.

Falhas tanto, mãe. Olha aqui, ouve aqui.

20.5.09

Avaliação de personalidade

A Sílvia diz que o meu filho é muito inteligente e que está até acima da média porque empilha muitos cubos e faz puzzles complicados. Mas que não devemos deixar de o estimular por isso. E eu que achava que não o estimulava nada (coitados dos segundos filhos). E eu que ainda há pouco mais de um mês o ensinei a fazer puzzles porque ele esborrachava as peças todas quando as tentava encaixar à força umas nas outras.

Agora só tenho que ensinar o meu filho cognitivamente excepcional a aceitar limites, gerir melhor as emoções e brincar mais com os outros meninos.

Boa noite

Os sonhos vão-se embora e deixam o João dormir. Beijinho, repete, beijinho, repete, até ele dizer que chega. O suficiente para ele encarar a noite sem medos. Eu, mãe, toda-poderosa, a mandar os sonhos embora.

Agora já tenho que dizer também à Inês e cada um deles manda também os meus sonhos (maus) embora. Até eu já me habituei a esta despedida.

Os sonhos vão-se embora e deixam todos dormir.


Get straight, wait here while I try to find the exit sign
When we stop asking strangers, no one wants what we want
Keep one eye on the door, keep one eye on the bag
Never expect to be sure

19.5.09

A minha sala vai ter dois quadros novos



Chegaram hoje.

Mãe

Ainda quase não falei com os meus pais sobre a separação. Não consigo, custa-me. Em parte porque sinto que não iam entender.

Esta sexta, à uma da manhã, mudei a sala com a minha mãe. Esvaziámos um movel de loiça e outro de livros. Empilhámos tudo pela sala, arrastámos móveis, trocámos impressões, rimos com o bolo perdido no aparador desde um qualquer Natal distante. No fim, cansadas, olhámos a sala, satisfeitas com o resultado e fomos deitar-nos. Despedimo-nos com um abraço apertado e foi como se toda aquela azáfama de livros e pratos e chávenas nos tivesse aproximado novamente uma da outra.

As palavras custam-me tanto, às vezes.

18.5.09

Coitadinha

Sopa de espinafres, peixe com massa, dois iogurtes e uma taça de baba de camelo ao jantar.

O meu pai, quando a viu este fds: "A miúda está tão magrinha, pá!"
Coitadinha.

Mercado do Bolhão








no Porto.

Qualidade de vida

Ganhei um portátil mínimo de prendas de anos e mudei a mesa da sala para junto da janela, o que significa que escrevo este post com uma vista linda à minha frente.

Endividada até ao tutano, mas com uma aparente qualidade de vida brutal.

Curtas

Os dois no carro, o João com a cara toda brilhante.
Eu: "João, estás todo peganhento, o que é que tens na cara?"

(silêncio)

Inês: "Mãe, acho que é bluff!"

(Blush)

Aniversário

Querer fazer tudo. Estar com toda a gente. E a sensação foi de que não estive verdadeiramente com ninguém. Porque foi cansativo, confuso, a correr. E os miúdos, com a excitação, estiveram impossíveis. Cheguei ao final de Domingo cansada e frustrada. Zangada com eles. O esquentador sem funcionar.

Eu detesto quando as coisas não funcionam. E dependemos delas. E não as conseguimos resolver.

Depois tomei um banho de água quente (vivam as pessoas que percebem de esquentadores), arrumei a casa toda e sentei-me à janela a fumar um cigarro. Reconciliei-me com o fds e decidi que para o ano vou passear com os miúdos.

15.5.09

Serralves





Everything that happens is from now on

Percebo que avançar requere um nível elevado de frieza e pragmatismo.
Pensar que tudo acontece a partir de agora. Com o que já existia antes.

Mas não necessariamente da mesma forma.

Coisas (tão) boas

Dias de sol.

14.5.09


Gosto de estar do lado de trás da máquina. Raramente me sinto confortável quando me fotografam, e se isso acontece, significa que existe um grande nivel de confiança e intimidade com quem fotografa.
Ontem uma amiga perguntou-me se não me sentia sozinha em casa, se não tinha medo, à noite.
Na verdade, até há pouco tempo, nem trancava a porta de casa.
Tive muito medo sim, nos minutos horas dias que seguiram a decisão. De ficar sozinha, de não ter apoio, de ser tudo eu na minha vida. Agora melhorou.

E sei que nunca tive tanto medo de estar sozinha como quando estava acompanhada.

13.5.09

3 dias para fazer anos



No meu 32º ano vou ser muito feliz. E para não escapar à regra, a lista.

Um livro de poesia do Roberto Juarroz (esta vem do ano passado).
O bilhete para ir ver Placebo em Julho.
Uma echarpe colorida.
A mesa de apoio do Ikea.
Um pijama de Verão.
Um mostrador novo da Stamps.
Uma toalha de praia.

Nada que me faça muita falta, portanto.


I saw you cry today
The pain may fill you
I saw you shy away
The pain will not kill you

You made me smile today
You spoke with many voices
We travelled miles today
Shared expressions voiceless

It has to end
Living in your head
Without anything to numb you
Living on the edge
Without anything to numb you

It has to end to begin

Began an end today
Gave and got given
You made a friend today
Kindred soul cracked spirit

It has to end to begin

Living in your head
Without anything to numb you
Living on the edge
Without anything to numb you

It had to end to begin

Living in your head
Without anything to numb you
Living on the edge
Without anything to numb you

Living in your head
Without anything to numb you
Living on the edge
Without anything to numb you

Três dias a passear

Porto e Guimarães. Alguma chuva e pouco sol. É tão bom passear. Dormir quanto apetece, andar pelas ruas devagarinho, tirar muitas fotografias.
E receber sms's dos amigos a perguntar se está tudo bem porque não avisei que ia estar fora.

É bom ter quem goste de nós.

8.5.09

Um dia dominarei a máquina e farei malas assim






Tudo na Etsy .

Cabecinha

Os filhos prestes a passar o fds com a avó paterna, dou por mim, à entrada do infantário, a despedir-me da Inês:

Querida, não te esqueças de lembrar a avó que o antibiótico do João é de manhã, depois de almoço e quando já estão deitados, ok?

Confio mais nela que nos adultos para estas coisas. Nunca se esquece de NADA.

Filhos à semana

É claro que tenho saudades e tudo e tudo, mas admito que ter filhos semana sim, semana não, é um descanso. Mesmo estando sozinha com eles na semana sim. Às vezes, à quinta-feira, já só consigo pensar no fds para dormir, descansar, fazer o que me apetece, não ter dependentes.

Hoje de manhã o João entrou no quarto e
"Mamã, vim dar-te um abraço e um beijinho!"

Passou-me logo a vontade.

Lindo

A minha felicidade por ganhar um convite duplo para uma ante-estreia. A partir de agora vou vasculhar tudo o que é passatempo e borlas.

7.5.09



Buy this car to drive to work
Drive to work to pay for this car

Vidinha

Agora tenho um excel com despesas e o dinheiro contado no início do mês em vez de ser no fim do mês. Continuo com despesas parecidas mas com apenas um ordenado. Ainda bem que o carro está pago. Gostava de não vender a minha casa. Espero que a I. entre na escola pública. Não paguei condomínio ainda este ano. Ontem ligaram-me da escola da joalheria para autorizar que fotografem o meu anel para o catálogo da escola. Acho que não posso continuar com o curso. Não vou à feira do livro porque não tenho dinheiro, mas vou arranjar os pés porque está calor e quero usar sandálias. Reduzi as horas da empregada da limpeza para metade porque agora tenho mais tempo, menos dinheiro e menos gente a sujar a casa. Faço listas de compras imaginárias para todos os meses do ano à minha frente e fico contente por estar mais magra e por isso ter mais roupa para vestir. Ainda bem que me fartei de comprar roupa antes. Vou fazer menos férias fora por ano e aproveitar mais o dia a dia e os fins-de-semana. Gostava de arranjar um part-time que me ocupasse pouco tempo. Os meus pais vão oferecer-me um mini-portátil nos anos e eu a pensar que o dinheiro me faz falta para o gás luz telefone infantários.

Sinto-me bem, com mais controlo na minha vida, mais calma e feliz com os miúdos, mais responsável, adulta e capaz. E mais pobre, mas isso não é o mais importante. Desde que seja suficiente. Espero que seja, ainda não sei bem.

5.5.09

Manhã

Um dos meus momentos preferidos, com eles, acontece de manhã. Vão enfiar-se na minha cama e ficamos uns minutos a trocar mimos, cheios de saudades uns dos outros (a noite é enorme). Não há birras nem gritos nem discussões. A não ser, talvez, para decidir quem é que dá e recebe beijinhos.
Hoje, um de cada lado, e eu "Gosto muito de vocês, sabiam?"

A filha: "E eu gosto muito da Joana, a irmã da Inês, e gosto do Paquito, o cão da Carlota, e da irmã da Maria!"

Pronto, está bem.

4.5.09

Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima ...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza ...
Tu mudaste a Natureza ...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Só me arrependo de outrora te não ter amado.

Alberto Caeiro

Filho

Eu cansada e a sentir-me doente, ele levanta-se pela segunda vez, eu refilo e deito-o e digo que não quero que se levante outra vez, a voz ríspida e maus modos, e ele

"Não te zangues comigo, eu estava com saudades tuas."

3 anos e já me dá a volta tão bem.

Em repeat



Não consigo parar de ouvir.

Gostar de livros





Os livros do Planeta Tangerina são uma delícia. Gostava de ter este.

2.5.09

Semana com filhos ou semana sem filhos?

Verificar a presença de lenços ranhosos nos bolsos.

Optimismo aplicado ao consumismo


No próximo mês compro.

As coisas giras

De repente, cada frase que dizem dá vontade de rir, não há memória que acompanhe a velocidade das coisas engraçadas. Não consigo fixar.
Por outro lado estão os dois mais rebeldes, mais respondões e mais mal-educados. Suponho que é sempre assim, quando começam a crescer. Deixam de ser dóceis e afáveis e passam a ser independentes e desafiadores. É bom sinal.

Três dias inteirinhos com eles é agridoce. Mas eu gosto de agridoce.

1.5.09

não basta abrir a janela
para ver os campos e o rio.
não é bastante não ser cego
para ver as árvores e as flores.
é preciso também não ter filosofia nenhuma.
com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
há só cada um de nós, como uma cave.
há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
e um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro