31.7.09

Filho

Por muito bem que os homens me tratem (e não tenho efectivamente grande razão de queixa, pelo contrário) dificilmente algum poderá bater o meu filho, quando acorda. Não só se levanta com uma boa disposição invejável, como faz o sorriso de felicidade mais lindo do mundo ao me encontrar despenteada na cama, não se deixando nunca demover pelos meus protestos de sono interrompido. Ele é abraços, beijinhos, festas, rebolar em cima de mim, cabelos, baba, beijinhos, abraços, sempre a chamar-me numa voz melosa, e com o ar mais apaixonado do mundo.

É claro que qualquer dia entra na adolescência e me odeia. Mas ainda falta um bocadinho.

30.7.09

"Numa casa deserta não há presente
Da roupa largada no chão
ficou o abandono
Do volume das vozes
ficou o eco
Do viver a casa
ficaram as sombras
Parti antes ou depois dos objectos?
Os móveis permanecem
A roupa permanece
O que esvazia a casa
são as vozes exteriores
A luz do dia seguinte
O ruído do presente
lá fora"

Gilles LaForet

Hoje apetece-me partir



A última vez que saí daqui foi em Maio e tenho saudades de sair. Não é que se esteja mal aqui, gosto desta cidade à beira rio, da minha vila cheia de árvores, deste bulício.

Mas confesso: mal posso esperar pelo fds, por me meter no carro com o meu melhor amigo e ala que se faz tarde, praia, tenda, cafés em esplanadas, risos (que ele faz-me rir muito), pés na areia, pés no mar, pés na relva, acordar num sítio diferente e dormir com o sol na pele.

29.7.09


Às vezes, mesmo com amigos, sinto-me sozinha.

Avós às compras

Depois de dias a pedir os iogurtes de chocolate, tomo as rédeas da coisa e digo que comem iogurte de fruta e é se quiserem. Decidida e com ar imperturbável, dirigo-me ao frigorífico e constato que não há iogurtes de fruta.

"Pronto, hoje comem fruta e acabou a conversa!"

27.7.09

Lembro-me que quando pensei as primeiras vezes na separação, achei que ia ficar solteira para sempre. Que ninguém ia olhar para uma pessoa com dois filhos, credo, que trabalheira. Pois bem, parece que não é bem assim. Há quem olhe (não deve fazer ideia da trabalheira).

Os primeiros encontros filhos-namorado são uma coisa estranha. Queremos que gostem uns dos outros. Parece fácil, até porque ele também quer que eles gostem dele e eles querem que toda a gente do mundo goste deles (é a beleza das crianças).

A filha transforma-se automaticamente numa menina super bem-comportada e adulta, aproveitando para dar ares de sua graça, com sorrisinhos cativantes e as conversas habituais. O filho faz todas as asneiras possíveis para aparecer.

O auge aconteceu mesmo este Domingo, com o filho a vomitar no carro como gente grande (ai, os velhos tempos) e depois uma mega fita em casa, daquelas em que até a mim me apetece fugir.

Bom, a boa notícia é que o namorado não fugiu.

22.7.09

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Carlos Drummond de Andrade
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.

Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado


Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez polos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia.
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.

Vinicius de Moraes

Gostar de dias cinzentos no Verão

A beleza dos dias sem sol no Verão, é que são a excepção. E há coisas que sabem bem como excepção mesmo quando não gostamos delas na generalidade.
Vestir um casaco e saber que logo vai ser bom chegar a casa, porque é bom estar em casa nos dias assim.

E que os dias de sol vão voltar.

21.7.09

Amar quadros com árvores















Se pudesse enchia uma parede da minha casa.

(Daqui)

Verão a correr

Já estamos a meio de Julho. Os dias são quentes mas sem exageros, as noites frescas. Gosto do trânsito aceitável, dos dias mais compridos, da roupa leve e colorida. Ontem curtei o meu cabelo curtinho, curtinho. Gosto do Verão assim, sem exageros. De puxar o lençol para cima de mim a meio da noite e de sair à rua sem sentir o cabelo a colar e a pele peganhenta do suor.

Praia só em Agosto, com os miúdos. Mas o que eu gosto mais mesmo é desta sensação de cidade mais vazia e transitável, de chegar a casa de dia e a sala cheia de sol, de andar pela rua sem sentir o desconforto do frio, do cinzento do Inverno ainda tão longe. Era incapaz de viver num país com pouco sol.

17.7.09

Saudades de dançar II



Zero, Yeah Yeah Yeahs


Shake it like a ladder to the sun
Makes me feel like a madman on the run
Find me never never far gone
So get your leather, leather
leather on on on on

Your zero
What’s your name?
No one’s gonna ask you
Better find out where they want you to go
Try and hit the spot
Get to know it in the dark
Get to know it whether you’re
Crying, crying, crying oh oh
Can you climb, climb, climb higher

Shake it like a ladder to the sun
Makes me feel like a madman on the run
Now you’re never, never far gone
So get your leather leather
leather on on on on

Your zero
What’s your name?
No one’s gonna ask you
Better find out where they want you to go
Get to know it in the dark
Get to know it whether you’re
Crying, crying, crying oh oh
Can you climb, climb, climb higher

Was it the cure? Shellshock!
Was it the cure? Hope not!
Was it the cure? Shellshock!
Was it the cure?
What’s your name?

Your zero
What’s your name?
No one’s gonna ask you
Better find out where they want you to go
Try and hit the spot
Get to know it in the dark
Get to know it whether you’re
Crying, crying, crying, oh oh
Can you climb, climb, climb higher

Was it the cure? Shellshock!
Was it the cure? Hope not!
Was it the cure? Shellshock!
Was it the cure? Hope not!

What’s your name?

Saudades de dançar



Peelucabee, via Trama.

16.7.09

Do It Yourself



Continuo com vontade de mudar pequenas coisas em casa. Uma espécie de euforia Agora Posso Fazer Tudo O Que Quero. Esta vai ser a próxima alteração: adicionar um bengaleiro à minha sala.

Alguém tem uns restos de madeira que queira dispensar?

(Ideia retirada daqui)

Curtas

No carro.

João: Gosto desta música e vocês?
Eu: Eu também gosto. Mas gosto mais de ti.
(pausa)
Eu: Aliás, vocês são o que eu gosto mais no mundo.
(pausa)
João: Eu gosto desta música.

Na lista das coisas que colecciono com prazer



estão as malas. Tenho imensas, sei lá desde quando. Acumulam-se em gavetas e arcas lá por casa, e às vezes acontece-me descobrir uma que já nem me lembrava que tinha. Adoro. Numa vida paralela tenho muito dinheiro e um closet enorme com montes delas. Aliás, não me importava de ter um closet já nesta vida. E esta mala, by the way.

(Mais, aqui)

10.7.09

Sem comentários

Saio da salinha da consulta e a rapariga da recepção está ao telefone.
Olha, eu nem sabia o que lhe havia de dizer
Tiro a carteira da mala, devagarinho, a fazer tempo, procuro o dinheiro,
Ela não está nada bem, pá
pouso o dinheiro no balcãozinho, a mão em cima e tento não sorrir da conversa em voz muito alta.
Só o namorado dela para a aturar
(sempre a gesticular e a arregalar os olhos)
Que sorte que ela tem por ter uma pessoa como ele
Neste ponto interrompe por momentos a conversa, estica-me rapidamente um papel e uma caneta e diz o mais rápido que consegue, a voz muito baixa, "Escreva-me aqui o nome",
Olha, eu nem sabia o que havia de dizer ao polícia!
agarra-me o dinheiro,
Estava com os olhos cheios de lágrimas
e começa a preencher o recibo, pára
Oh pá, mas eu sou magrinha, não tenho o teu corpo, pá!
volta a agarrar na caneta, escreve o primeiro nome
Vá, não me gozes!
e escreve o segundo nome.
Isto só a mim é que me acontece!
Eu digo Boa tarde!, baixinho, para não interromper a conversa, e ela dá-me um sorriso e abre-me a porta para sair, ainda ao telefone.

Não sei se é mesmo assim



ou se sou só eu que tenho uma facilidade enorme em encontrar coisas giras onde gastar dinheiro. Na verdade não é preciso tê-las. Basta-me vê-las. Adoro coisas bonitas. Consolam-me.

Mais, aqui.

Adultos que dormem com peluches cor-de-rosa

Mato-lhes as saudades no cheiro que ficou no coelho cor-de-rosa enorme a que me abraço à noite. Por muito acompanhada que esteja na vida, resisto sempre a estar sozinha. Ontem entrei em casa e disse a mim própria que adoro a minha casa e adoro estar lá, mesmo sozinha. E adorei mesmo. Foi isso e lixar as paredes. Estão prontas para receber os quadros novos.

Os dias são cheios de decisões, umas mais simples que outras, e o desafio é passar por elas incólume. Não consigo. Tenho que as dosear, para ser mais fácil.

É sexta-feira, e para o fds só desejo uns dias descansados e tranquilos. Na segunda voltam os filhos. Estou cheia de saudades.

2.7.09

Wishlist ou Descansar e parar de ser


Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, Clarice Lispector

"Nessa noite Lóri ficou de vigília. Era uma noite muito bonita: parecia com o mundo. O espaço escuro estava todo estrelado, o céu em eterna muda vigília. E a terra embaixo com suas montanhas e seus mares.

Lóri estava triste. Não era uma tristeza difícil. Era mais como uma tristeza de saudade. Ela estava só. Com a eternidade à sua frente e atrás dela. O humano é só.

Ela quis retroceder. Mas sentia que era tarde demais: uma vez dado o primeiro passo este era irreversível, e empurrava-a para mais, mais, mais!

O que quero, meu Deus. É que ela queria tudo. Como se passasse do homem-macaco ao pitecantropus erectus. E então não havia como retroceder: a luta pela sobrevivência entre mistérios. E o que o ser humano mais aspira é tornar-se um ser humano.

Já que não tinha sono, foi à cozinha esquentar o café. Pôs açucar demais na xícara e o café ficou horrível. Isto levou-a uma realidade mais cotidiana. Descansou e parou de ser."

Durante.

"Quando não se tem medo pode-se falar. O vocabulário surgiu por inteiro em momentos de segurança, frente ao inimigo ameaçador o homem é mudo e ágil fisicamente. A urgência do movimento e a paciência do discurso.
As palavras existem porque existe a espera: o antes de. E também o: depois de.
Para contar a história dos actos que já aconteceram surgem as palavras. Antes de e depois de. Durante não. O homem instalado no movimento presente é mudo. Mas tem medo."

Gonçalo M. Tavares

1.7.09

A garganta inflamada, meia hora em casa com os miúdos e fico afónica. Um jantar com as palavras contadas, respostas apenas quando estritamente necessárias e a conclusão rápida: às vezes o melhor é poupar nas explicações e orientações, e falar apenas quando necessário, em tom firme e inabalável. Já me valeu a pena ficar sem voz.

Marisa Monte, Volte para o seu lar

Marisa Monte é a universidade, dançar e cantar alto, a viagem aos Picos da Europa, bater com o pé no carro e abanar os braços. Os últimos álbuns desapontaram-me um pouco, mas os primeiros são fantásticos.

Não temos perspectiva, mas o vento nos dá a direção,
A vida que vai à deriva é a nossa condução