20.8.09

Com a tua letra

Porque eu amo-te, quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.

Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.


Fernando Assis Pacheco

19.8.09

De amor

despede-te de mim, bate devagar à porta:
tenho vontade de recomeçar, reerguer escombros,
ruínas, tarefas de pão e linho, não dar
nome às coisas senão o de um vago esquecimento,

abandono. despede-te de mim como se a vida
recomeçasse agora, não me procures onde
a memória arde e o destino se ausenta.

tudo são banalidades, afinal, quando assim
se recomeça e a vida falha como um material
solar e ilhéu. levamos poucas coisas, basta
um pouco de ar, os objectos fixos, em repouso,

os muros brancos de uma casa, o espaço
de uma mão. arrumo as malas e os sinais,
aquilo que nos adormece em plena tempestade.


Francisco José Viegas

18.8.09

Gostar de quadros





Em qualquer divisão da casa (tenho dois na despensa).

(Daqui)

Dias felizes



As coisas importantes às vezes são tão simples. Um gesto, uma partilha.
E tudo à nossa volta parece diferente e mais bonito.

(Que peganhento, eu sei)

Recomeçar

"HÁ VIDA DEPOIS DO DIVÓRCIO?

Seja qual for a profundidade da análise do tema, o divórcio é unanimemente considerado um acontecimento stressante e com impacto considerável em todas as áreas da vida. Se, por um lado, é verdade que se trata de um passo cada vez mais banal no ciclo de vida, também é certo que quem vive a experiência a sente como incomensuravelmente devastadora.

As únicas perdas superiores a um processo de divórcio são, como já referi, a morte de um membro da família nuclear (cônjuge ou filho). Com a devida distância, a separação conjugal também envolve um processo de luto. E este pode ser mais ou menos intenso, mais ou menos patológico.

Pouco importa quem avançou com a decisão. Nem adianta pensar que quem traiu sofre menos. As circunstâncias que potenciaram o fim da relação raramente funcionam como anestésicos. Trata-se do fim de um projecto de vida, no qual, à partida, ambos investiram. Daí que pensamentos do tipo “Fracassei!” teimem em não sair da cabeça.

Quando há filhos a angústia é maior. E nem os exemplos de sucesso conseguem aliviar a dor associada à culpa por não se conseguir manter a família unida.

Mas na generalidade dos casos, o tempo permite que o desespero dê lugar à reconstrução. Tal como noutro processo de luto, a dor não é substituída pelo esquecimento, mas a mágoa desaparece e o futuro passa a ser encarado com optimismo.

Algumas pessoas têm mais sorte do que outras: o apoio da família e dos amigos não é uma realidade comum a todos os casos. Quanto mais forte for essa rede de suporte, mais rápido é o processo de recuperação.

Os juízos de valor que algumas pessoas impõem a quem está a divorciar-se mascaram muitas vezes casamentos infelizes combinados com falta de coragem. A dor de quem vive esta experiência não pode ser acompanhada de sermões ou críticas severas. Os pais devem colocar o amor pelos seus filhos acima de quaisquer convenções ou moralismos, apoiando-os e fazendo com que se sintam compreendidos.

Do mesmo modo, os verdadeiros amigos não permitem que o fim de uma relação represente o fim de uma amizade, estabelecendo alianças perversas com um dos membros do ex-casal. Infelizmente, o divórcio representa, para algumas pessoas, a ruptura com grande parte da sua rede social.

Depois das perdas vem inevitavelmente a renovação. À medida que o processo de luto é feito, a pessoa divorciada reconhece os erros cometidos, faz novas aprendizagens e consegue recordar-se de momentos positivos. Olha para trás e vê para lá da tempestade. Isso quer dizer que está pronta para voltar a amar, sem mágoas.

Ao longo deste período, algumas pessoas “enfiam a cara” no trabalho. Outras encontram conforto na família alargada ou no ombro dos amigos. Outras dedicam-se a actividades lúdicas, desportivas, pedagógicas ou de voluntariado. Sem o saber, partilham uma característica: são lutadoras.

A resposta à provocação do título é, obviamente, SIM! O divórcio não representa o fim da linha. Como todas as crises, implica um conjunto de desafios e oportunidades. Nada será como antes. Nenhum outro modelo familiar corresponderá ao que fora idealizado no altar. Mas há milhões de pessoas felizes que ultrapassaram esses constrangimentos. "

Daqui.

14.8.09

O mundo é grande

O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade

Gostar de bengaleiros de parede







(Daqui)

a loucura possível e o terror de estar a cair de um prédio de sete andares

"entre o Gato Esteves e o Keith Jarret. Os meus amores metem sempre oceanos de paixão


Uma vez, no tempo em que os surfistas estavam na moda e o meu pai me levou a Cascais a uma loja recôndita para comprar uns sapatos de vela vermelhos, uma vez, nesse tempo, eu apaixonei-me assim. E não dormia e não comia e havia a velha cena das borboletas na barriga e a Madonna a cantar Celebrate no primeiro andar, na casa onde morava esse meu amor que, soube há poucos anos, se tornou gay, (não quero esclarecer se terá tido a ver comigo) . Mas, então, lembrar faz bem e até dá para escrever livros, como sabes.

Por isso te digo que nenhum amor é vão. Nenhum. Nem os que acabam à bofetada, ou em silêncios ressentidos porque se disse tudo e não se foi a lugar nenhum e realmente as palavras não chegam - ás vezes a cena que também me acontece, é a de que as palavras vêm às golfadas e por isso o melhor é ficar calada para não perder a compostura e não fazer feio.

Depois deixamos, muitas vezes, de poder ouvir músicas boas durante uns tempos, porque nos lembram o lado de talhante dos nossos amores e em casos mais graves ainda, podemos até deixar de ler bons autores, porque também nos lembram a carnificina que é o fim do amor. Mas vale a pena, ouviste? Vale a pena, porque é como ter filhos e a gente esquece-se e o prazer de perder o controlo mais e mais e mais uma vez é tentador e mágico como se tivesses cheirado uma linha de cocaína. E dá uma tesão do caraças.

E faz-nos querer encontrar novas palavras e não repetir outras frases lindas que se disseram ou nos disseram e em certo momento seriam muito recicláveis. Nada. Nada. Nada. Não vale repetir nada. Isso é batota. Tudo tem que voltar a ser feito com a loucura possível e o terror de estar a cair de um prédio de sete andares. Porque se assim não for já morremos e ninguém nos avisou. Dito isto, vou correr."


Daqui.
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

Manuel Alegre

Curtas

A filha queixa-se de comichão na cabeça e eu explico que deve ser o calor. O filho lembra que ele também já teve comichão na cabeça "Era o quê, mãe, que fazia a comichão, aquilo que tu me disseste?". E eu "Os piolhitos!". E ele "Então a mana também deve ter piolhitos", e eu que não, credo, "Deve ser mesmo do calor, filhote!".

Pára um bocadinho a pensar e

"Já sei! Quando as janelas estão abertas e o sol entra, o sol põe os piolhitos na nossa cabeça, não é?"

13.8.09

Bichos

Da terrinha longínqua onde cresci, recordo com saudade poucas coisas. Acho que não fui feita para pequenas densidades populacionais. É tudo demasiado familiar e próximo e eu gosto (muito) do meu espaço.

Tenho saudades, por exemplo, das rãs no rio. Da cantoria desenfreada nas noites mornas, de adormecer a ouvi-las.

O que nunca esperei foi ouvir, às 23h30 da noite, no meu 8º andar na cidade, um grilo do lado de fora da janela. Tanto não me ocorreu, que achei que não podia ser. Não só não me pareceu que todo aquele estardalhaço pudesse ser produzido por uma criatura tão minúscula (assim que desatou a cricar, apanhei tamanho susto que me apressei a fechar as janelas e puxar os estores para baixo), como achei pouco provável que o grilo tivesse voado tantos andares desde o chão.

Mas depois de um telefonema a um amigo que teve a infelicidade de estar online no messenger (Consegues ouvir?), o improvável revelou-se afinal bastante provável. Que sim, que era um grilo. E um grilo entusiasmado, devo dizê-lo.

Deitei-me mais cedo, incomodada com a barulheira, mas nem a incursão até à ponta oposta da casa me salvou da criatura. Ouvia-se em todo o lado.
Hoje acordei e o silêncio imperava. Vamos ver o que acontece esta noite.

"Mamã, os grilos têm língua?"

12.8.09

Que amava

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Carlos Drummond de Andrade

Boas maneiras de começar o dia

Abro os olhos e
"Mamã, já fui buscar um iogurte ao frigorífico, achas que posso comer outro?"
(J., 3 anos, a conquistar a sua independência)

Os polícias explicados pelas crianças

"Se os ladrões assaltarem uma casa, os polícias vêem pelos binóculos, vão a correr, prendem os ladrões, e levam-nos no carro da polícia para a prisão."
(I., 5 anos pequeninos)

Na infância todos os finais são felizes.

10.8.09

Curtas

J., a meio de um discurso empolgado, "e eram mais grandes que todos".

J., não se diz mais grandes!

(pausa. espera)

J., como é que se diz?

"Obrigado!"

Shifting

Reconhecermo-nos nas palavras dos outros. Não é bem um conforto, porque a bem dizer não há prazer em sentirmos nos outros as nossas dores. Mas.

Mais da série Coisas Giras




Tenho muita inveja de quem tem a beleza na ponta dos dedos. Daqui.

8.8.09



It's a hopeless... situation
And I'm starting to believe
That this hopeless... situation
Is what I'm trying to achieve

But I try
To run on
Towards
All or none,... all or none

Here's the selfless confession
Leading me back to war
Can we help that,.. our destinations
Are the ones we've been before

I still try
To run on
Towards all
Or none,... all or none

To myself I... surrender
To the one I'll never please

I still try,.. to run on
But I still try,.. to run on
But it's
All or none,... all or none.

7.8.09

Sexta-feira

As minhas sextas são bipolares.
Existem as sextas de ir buscar os miúdos e as sextas de ficar sem os miúdos.

As primeiras são uma excitação, o tempo a arrastar-se devagar nos ponteiros do relógio, uma espécie de euforia crescente. Na minha cabeça e no meu coração, a imagem que tenho é a de os abraçar, de lhes sentir o cheiro de pequeninos, os cabelos macios, de ver o sorriso exuberante do J. (corre sempre para mim) e o mais tímido e contido, às vezes quase indiferente, da I. ("Tens pastilhas, mamã?", como se uma semana fosse afinal um tempo pequeno e suportável, já interiorizado).

As sextas de os deixar são um misto. Normalmente estou muito cansada fisicamente. Imagino que vou chegar a casa e conseguir esticar-me no sofá, não fazer jantar nem quase nada, descansar, afinal. Mas nunca é um descanso feliz. É como se toda a angústia da semana se concentrasse no momento em que entro em casa e a encontro vazia e silenciosa. Deito-me no sofá, é certo, descanso, é verdade, mas sinto-me sempre infinitamente sozinha e infeliz.

Hoje é uma sexta das boas.

Monte Clérigo, Alentejo






Uma das minhas praias preferidas!

6.8.09

Sol e alegria

Termine este Verão com estas temperaturas suportavelmente quentes e eu elejo o Verão como a minha nova estação preferida. Não vale a pena justificar as vantagens destes meses do ano (sol, menos trânsito, férias, praia, roupa leve, sandálias), a diferença está mesmo no desaparecimento de algumas desvantagens. Não andar por aí a bufar com o calor, de roupa colada ao corpo, justifica tudo.

Até o preterir das cores outonais.

5.8.09

4.8.09

Equilíbrio

O meu esquentador avariou e tenho que ir a uma oficina tirar o gancho do reboque do carro que não uso.
Ganhei dois convites para o festival sudoeste que consegui vender a bom preço.