Sei que é noite porque é escuro, mas nada me situa na imensidão nocturna. Agora é assim. Sem relógio, sem telemóvel, sem despertador. Não suportaria o tique-taque do tempo a passar, a lembrar-me os minutos que foram, os que faltam ser, uma agonia de bocadinhos de tempo infindáveis, tiquetaqueados na minha cabeça, a lembrar-me que estou aqui sozinho. Sem ti.
Sei que a cama começa aqui e acaba ali, fui eu que a comprei, sozinho, quando o espanto e o desespero da tua ausência era ainda um sabor estranho e novo, a subir-me pelo peito e morrer-me na boca, ou então a nascer-me na boca e fugir-me para o peito, não sei bem, às vezes é como se viesse de todo o lado e se espalhasse por todo o lado, amargo, um ardor, uma espécie de azia do coração. Como se o que lá vivia tivesse saído do sítio, um refluxo de sentimentos, a invadir caminhos onde não era suposto estar.
Dizia, sei que a cama começa e acaba. Mas, à noite, é como se não tivesse fim. Como se o colchão se estendesse pelo mundo inteiro, uma imensidão de lençóis gelados. E o meu corpo sente a falta do teu corpo, de tocar qualquer coisa quente e macia, de ouvir outro ritmo que não o seu.
Lembro-me que passava as noites atrás de ti. Dizias que gostavas de dormir no teu canto, mas eu não deixava. Quando a tua respiração adormecia, chegava-me a ti, ao teu canto que depois era o nosso, como se a cama tivesse apenas um lado e não dois, e era lá que eu estava contigo.
Acho que o pior de tudo é este não perceber. Não saber em que ponto foste ficando para trás. Será que algum dia hesitámos ligeiramente no caminho, eu virei à esquerda e tu à direita, e eu não vi, eu não prestei atenção, assumi naturalmente que continuavas comigo, um pouco mais atrás porque nem sempre caminhámos à mesma velocidade. Durante quanto tempo me convenci que estavas ali e não estavas, já tinhas virado a tua vida para o outro lado, o esquerdo ou o direito, que interessa, apenas não o meu.
Quando é que o caminho deixou de ser para ti o que sempre foi para mim, até olhar para trás e perceber o vazio ao meu lado, o vazio atrás, o vazio mais longe onde os meus olhos chegavam e não te viram. Talvez o que a mim me aquecia, a ti te queimasse, o que me fazia avançar a ti te ferisse os pés, o que me impelia a continuar, a ti se afigurava triste e agreste, um sítio onde não querias estar.
E é porque agora olho para trás, e tudo continua na mesma, que não percebo. Continuo a gostar do caminho. Contigo. Mas tu já não estás.
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Muito bonito, Xana, apesar do que traduz.
ReplyDelete(Quem é O autor do texto?)
É um exercício de escrita meu. :)
ReplyDeleteMuito tocante, perturbador e, ao mesmo tempo, bonito :)
ReplyDeleteXana, já o disse mas repito: tu tens um Dom.
ReplyDeleteUm beijo grande,
Ana